O caminho que vai levar o Brasil a ter o maior imposto do mundo

O texto-base da reforma tributária foi aprovado pelo Senado na quinta-feira (12). A tramitação do projeto, porém, não para por aí.

A reforma ainda volta para a Câmara dos Deputados, por conta de mudanças feitas no texto pelos senadores, que ainda pode ter novas alterações antes de ir à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), buscou abraçar – parcial ou integralmente – cerca de 600 das mudanças propostas pelos legisladores. Especialistas ouvidos pela CNN afirmam que, dentre elas, há tanto medidas benéficas como maléficas para as intenções da reforma.

A alíquota média do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – modalidade que irá substituir uma série de tributos estaduais e federais nos próximos anos – ainda não está definida. Mas estimativas apontam que ela deve ultrapassar 28% (podendo chegar a mais de 29%).

Se a estimativa de fato for concretizada, isso significaria que o Brasil teria o maior IVA do mundo, ultrapassando a carga de 27% da Hungria.

Como o Brasil chegou a esse ponto?

O principal motivo: regimes especiais que reduzem o peso dos impostos sobre alguns setores. Desse modo, a média precisa subir, pois um dos princípios é a manutenção da carga tributária.

Tathiane Piscitelli, coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP), reafirma que a reforma tributária aprovada no Senado evoluiu e conseguiu manter seus princípios de simplificação, neutralidade e não cumulatividade.

Porém, ao olhar para as isenções aprovadas, a especialista diz ter dúvidas se o projeto seguiu princípios de privilegiar setores e serviços essenciais.

“Essa lista [de isenções] não pode ser indiscriminada. Concordo integralmente com as críticas porque a ideia é a neutralidade, a simplificação. As alterações devem ser convergentes com os valores constitucionais de justiça tributária e social”, avaliou Piscitelli em entrevista ao CNN Money.

“As exceções devem seguir isso, e não os interesses das bancadas de interesse, a fim de construir um sistema tributário mais eficiente.”

Estudos apontam que a reforma tributária tem potencial para impulsionar a economia do país. Ao descomplicar a estrutura tributária do país, o projeto tende a reduzir custos e tornar o ambiente brasileiro mais atrativo para negócios.

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Segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), o contencioso tributário do Brasil chega, hoje em dia, a cerca de 70% do Produto Interno Bruto nacional — a soma de todas as riquezas do país.

Nos Estados Unidos, o valor é de 1% do PIB.

O Banco Mundial aponta que o atual sistema tributário brasileiro é um dos cinco piores do mundo, num ranking com mais de 170 países. Segundo a instituição financeira internacional, as empresas gastam cerca de 1.700 horas por ano com compliance tributário no Brasil.

Porém, Marcus Pestana, presidente da IFI, relembra que, durante as audiências que teve com os senadores, o grupo buscou bater na tecla de que quanto mais exceções, maior seria a alíquota geral e a complexidade operacional do sistema; e menores os efeitos na produtividade.

Ademais, Pestana aponta que as exceções não são as únicas culpadas pelo IVA elevado.

“O Imposto sobre Valor Agregado vai ser o maior do mundo por conta do nosso perfil tributário e de renda. Nossa matriz tributária é muito concentrada no consumo, diferente dos países ricos onde está no patrimônio e na renda”, disse à CNN.

“Para encontrar a alíquota, vamos ter que aprender a nadar nadando. A própria realidade vai ditar, mas, ao mudar a regra do jogo, não tem como antever esse hiato”, conclui.

O presidente da IFI se refere ao chamado “hiato de conformidade”. Apesar de a busca por um novo sistema buscar a melhoria, a mudança de regras também pode abrir novas brechas.

Sonegação, judicialização e elisão fiscal são alguns dos desafios apontados por Pestana, cuja magnitude só poderá ser compreendida com a reforma operante.

Para Piscitelli ainda há outro destaque negativo que, segundo análise do Grupo de Pesquisa Tributação e Gênero da FGV Direito SP, transfere o impacto para o bolso dos brasileiros: a decisão do Senado de retirar as armas e munições do Imposto Seletivo (IS), o chamado “imposto do pecado”.

Os armamentos foram e voltaram da cobrança, mas no fim acabaram removidos por pressão da bancada da bala.

“Essa decisão resultará em uma redução de 70% na tributação de revólveres, o que aumentará o peso da alíquota geral sobre toda a sociedade. A exclusão das armas do seletivo transfere para a sociedade o custo da violência armada. É hora de pressionar os senadores para evitar esse retrocesso”, afirma nota enviada por Piscitelli.

Êxitos da reforma tributária

Piscitelli e Pestana reforçam que a alíquota poderia ser menor caso houvessem menos exceções. Mas reconhecem que, além de esta ter sido a reforma possível, ela carrega seu valor.

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“[A reforma tributária] é uma notícia boa para um país que está precisando de notícias boas. Ela melhora o ambiente de negócios”, enfatiza o presidente do IFI.

“E mesmo não tendo sido a reforma ideal, dadas as pressões naturais do sistema democrático, saímos de um sistema que é regressivo, injusto – onde pobres pagam mais que os mais ricos -, complexo, burocrático, caro e inseguro.”

Para a professora da FGV Direito SP, alguns destaques são a redução de alíquota para fraldas, o cashback para serviços de telecomunicação e a isenção para carnes.

A especialista em direito tributário reconhece que seria mais eficiente incluir também as proteínas animais no sistema de devolução de valores, mas aponta que o problema é que o país não tem o espaço orçamentário para dar o cashback a todos que precisam.

“A população de baixa renda não deve sofrer, seguindo a lógica da essencialidade, da justiça tributária e de que o debate democrático depende do acesso à informação e à telecomunicação. Quem vai ser atingido é quem demanda por medidas, e nesse caso não é a maior parte do grupo”, conclui Piscitelli.

Em entrevista ao WW, o economista e advogado tributarista Eduardo Fleury ressalta que o projeto tratá um “ganho substancial” em eficiência e simplificação para o ambiente de negócios.

“Antes, com menos exceções, tinhamos equilíbrio de preços relativos, escolher o produto baseado no preço real e preferência. A despeito dos preços ficarem desnivelados, agora vamos saber quais são, hoje nao se sabe qual é. Com essa transparência e simplificação, todo mundo vai sentir a mudança”, afirmou Fleury.

“Apesar de todas as exceções, a visualização vai ser infinitamente melhor. Vai haver um menor custo de administração do tributo e uma melhora substancial no ambiente de negócios”, conclui.

Posição dos setores

Setores da economia – como o imobiliário, de serviços e algumas áreas da indústria – celebraram os benefícios assegurados pela reforma tributária.

Entidades como a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir) e a Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam).

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O texto propõe uma redução na alíquota da Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) para comerciantes da Zona Franca de Manaus (ZFM), além de contemplar a indústria de refino de petróleo da Amazônia Ocidental com regime favorecido.

A Fieam defende que “a regulamentação aprovada no Senado não concede novos privilégios à ZFM, apenas transpõe os mecanismos existentes na legislação do ICMS. Nada além disso”.

A entidade afirma que a decisão do Senado reafirma o valor estratégico da região.

Além disso, reforça que a compensação de tributos visa garantir a competitividade num local com altos custos e “uma importância ambiental única”.

“Este modelo, respaldado pela Constituição, é vital para assegurar que a produção industrial na Amazônia participe de forma justa do mercado nacional e internacional, evitando a migração de empresas para outros países e protegendo mais de 96% da floresta amazônica”, conclui a Fieam em nota.

Outro lado da moeda

Na ponta oposta, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) avaliam como problemáticos os benefícios cedidos à produção da Zona Franca de Manaus, e veem com preocupação como ficaria a competitividade entre diferentes regiões.

Em entrevista à CNN, Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp, afirma que a medida fere o princípio de isonomia proposto pelo projeto reforma tributária.

“Sem dúvida fere. [O texto] amplia ainda mais os benefícios tributários de uma única região em detrimento de todas as outras do país”, indaga Rocha.

Já a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) avalia que muitos dos pontos alterados são prejudiciais, sobretudo às pequenas empresas, que poderão sofrer com desvantagens competitivas diante das grandes empresas.

“Das 24 milhões de empresas do país, aproximadamente 9 milhões estão incorporadas no Simples Nacional e 14 milhões são MEIs. Se a proposta da Reforma Tributária for aprovada no Congresso Nacional, muitas empresas desse porte sofrerão danos irreversíveis e, consequentemente, os reflexos serão vistos na economia”, diz em nota.

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Este conteúdo foi originalmente publicado em O caminho que vai levar o Brasil a ter o maior imposto do mundo no site CNN Brasil.



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