Na semana passada, o Morgan Stanley fez barulho – e preço – com as ações de Stone ao decretar o “fim do crescimento” para as empresas de adquirência.
Num relatório categórico de mais de 90 páginas repleto de pesquisas proprietárias, defendeu a tese de que o Brasil está muito próximo de atingir a saturação na penetração de meios de pagamentos digitais.
Na visão do banco, a partir do próximo ano, sem ter mais para onde crescer, a competição, hoje racional, deve dar lugar a uma briga maior por preços com as incumbentes, com queda na rentabilidade e de lucro – expressiva a ponto o preço-justo embutir uma queda de 50% em relação ao preço de tela.
O diagnóstico pesou e os papéis, já próximos das mínimas históricas, caíram 12% num só pregão.
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Para Pedro Zinner, CEO da Stone, trata-se de um grande mal entendido: as bases de cálculo do relatório estão equivocadas e ainda há uma avenida de crescimento para a adquirência, ainda que mais estreita do que já foi no passado.
Na sua análise, o Morgan Stanley partiu do pressuposto que o mercado endereçável da adquirência é o dado de consumo das famílias, divulgado pelo IBGE. Com alguns ajustes pontuais no indicador, a conclusão é que o valor total processado (TPV) pelas maquininhas chegará a 94% desse indicador em 2024.
“Na visão do Morgan Stanley, a penetração máxima é de 100% sobre o consumo das famílias [hoje em R$ 7 trilhões]. Factualmente, o volume de meio de pagamento já é mais de 100% do consumo faz tempo: ele chegou nesse patamar em meados de 2022. De lá para cá o setor cresceu muito”, diz o executivo ao INSIGHT.
Ele argumenta que o consumo das famílias só engloba a compra de bens finais e não intermediários, feitas para atividades produtivas, categoria que engloba outros R$ 10 trilhões. Por outro lado, o TPV considerado pelo banco foi inflado porque considera transações de PIX feitas por pessoas físicas para bancos, usados para quitação de faturas de cartões de crédito. Por outro,
Outro ponto é que o cálculo só levou em conta atividades de PIX para empresas (P2B) e não entre pessoas físicas (P2P). “Segundo o Banco Central, mais de 50% das transações P2P tem caráter comercial: é o pagamento para o taxista, o personal trainer, o cara da feita de artesanato. Um cálculo que levasse isso em consideração já teria passado dos 100%”, aponta.
O consenso de mercado é bem mais otimista que o Morgan Stanley.
Mas, diagnósticos mais pessimistas à parte, fato é que, após uma década aumentando mercado endereçável ao mirar as micro, pequenas e médias empresas, e ganhando share em cima dos incumbentes graças a um melhor nível de serviço, os investidores se questionam: qual a nova fronteira de crescimento? Até onde a Stone (e suas concorrentes, como o PagBank) podem ir?
A própria dinâmica da ação já denota um ceticismo: a Stone é negociada a um múltiplo de um dígito, de empresas já de maturidade. “O que o mercado pagava lá atrás era múltiplo de dois dígitos, de empresa em crescimento. Hoje, isso não está, nem de longe, refletido nos preços”, pondera um gestor.
Um mercado competitivo – mas racional
Na sua primeira entrevista exclusiva desde que assumiu o comando da Stone há pouco mais de um ano e meio, Zinner reconhece que a adquirência é um mercado competitivo, o que deve se traduzir numa pressão nos take rates (as taxas cobradas por transação) puras das transações de crédito e débito no médio prazo.
Mas esse efeito deve ser compensado em grande parte pelo avanço nas verticais de banking e crédito. Oguidance, divulgado ao mercado, é de uma taxa média de 2,7% em 2027, contra 0,21 p.p. acima de 2023. A expectativa é que o lucro cresça 31% ao ano nos próximos três anos, chegando a R$ 4,5 bilhões.
“Estamos sendo parcimoniosos na concessão de crédito. Mas, isto posto, esse é uma grande vertente de crescimento”, diz. A companhia encerrou o terceiro trimestre com uma carteira de pouco mais de R$ 700 milhões e tem um guidance de chegar a R$ 5,5 bilhões, apenas em linhas de capital de giro, nos próximos três anos.
“Tudo que estamos fazendo até agora é para compensar a lacuna que temos em produtos de crédito, num nicho onde hoje os bancos praticamente não chegam. Imagina o tanto de coisa que temos para fazer além do giro.”
Economista de formação, Zinner passou por empresas como Banco Icatu, Vale e a petroleira BG, antes de chegar à Parnaíba Gás Natural, que depois viria a se fundir com a MPX. Foi seu desempenho à frente desse negócio que o consagrou, transformando uma das empresas praticamente quebradas do empresas do grupo X, de Eike Batista, num dos negócios mais prósperos de energia do país, a Eneva.
A entrada improvável de Zinner na Stone se deu via o conselho, em 2022, quando o cofundador André Street queria profissionalizar o board após a crise que se instalou na companhia após a concessão desenfreada de crédito no ano anterior. A carteira, que saiu do zero para cerca de R$ 2 bilhões, tinha um nível de risco muito maior que do que a Stone supunha. Quando a água baixou, a inadimplência veio e pegou nos resultados.
Sua missão à frente da Stone foi dar foco para uma empresa que cresceu de maneira exponencial e que, de certa forma, ainda se comportava como uma startup, com tomada de decisão muito descentralizada. “Quando cheguei tinha 140 iniciativas rodando em paralelo. Era impossível.”
Com a saída de Street do conselho da Stone, em março deste ano, Zinner ganhou ainda mais protagonismo como a cara da companhia para o mercado. (Veja aqui em primeira mão a carta que o fundador enviou aos funcionários na época.)
Numa conversa de pouco mais de uma hora, Zinner falou das frentes de crescimento em adquirência e crédito, do impacto do PIX, além da vertical de software, representada principalmente pela compra da Linx, em 2021.
“É um negócio com uma complexidade maior do que a gente esperava”, reconhece Zinner, afirmando ainda que o início da integração dos negócios demorou a acontecer. Ele descartou, contudo, que o ativo esteja à venda. (Questionado em call de resultados recente, o CEO da concorrente Totvs Dennis Herszkowicz afirmou, sem pestanejar, que teria interesse no ativo.)
A seguir, os principais trechos da entrevista:
De onde deve vir o crescimento no mercado de adquirência?
O mercado de adquirência passou por um processo de revolução ao longo da última década e sempre estivemos num posicionamento de vanguarda. O que vemos hoje é um crescimento cada vez maior de market share das empresas independentes e diminuição dos incumbentes.
Cada um dos players vem buscando seu nicho de mercado, com seu diferencial competitivo. No caso da Stone, uma proposta diferenciada no serviço de adquirência e cada vez mais entrando no contexto que a gente chama de bundle.
Qual o impacto do PIX para a indústria e para a Stone, em específico?
O PIX tem se consolidado como um método de pagamento cada vez mais representativo em relação aos meios tradicionais, como dinheiro em espécie e boletos.
Um aspecto importante do nosso negócio é facilitar para nossos clientes o recebimento de transações por diversos meios de pagamento. Nesse contexto, temos observado um crescimento contínuo nos volumes de PIX via QR Code dinâmico, o qual monetizamos de maneira semelhante às transações de cartão de crédito.
E como está a dinâmica competitiva, em termos de preço?
A dinâmica de preços, em geral, tem sido saudável, racional. A indústria vem crescendo entre 13%, 14% ao longo dos últimos anos. Dados da Abecs (associação do setor) mostram que o setor cresceu entre 10% e 12% no segundo trimestre. A gente cresceu 17%. As taxas de crescimento são saudáveis.
E você acha que ela vai continuar racional?
Sim. Demos guidance de take rate para 2027 e um dos grandes questionamentos do mercado foi o fato de que a perspectiva é que ele continue crescendo. Numa indústria competitiva como essa, como é possível ter take rates crescentes?
Dentro daquele take rate não é só adquirência. Ali você tem a composição entre o que era take rate de adquirência, banking e crédito.
No take rate de adquirência, vemos um mercado, sem dúvida, mais competitivo. É um take rate decrescente, mas também não é um movimento de queda abrupta na dinâmica de mercado. Você recompõe esse take rate, com banking e crédito ganhando relevância dentro do conceito da cesta e da proposta de valor da companhia.
O fechamento de capital da Cielo não pode mudar esse cenário, com eles se tornando mais agressivos nas ofertas para ganhar mercado?
O fechamento de capital da Rede aconteceu em 2012, há 12 anos, e não houve mudanças significativas nos preços na sequência. Como falei, observamos um mercado racional e um ambiente competitivo estável nos últimos anos, com todos os players concentrados em rentabilidade e propostas de valor.
A primeira investida em crédito da companhia se provou seu grande calcanhar de Aquiles. Como vocês estão abordando isso agora?
Estamos fazendo isso de forma cuidadosa, parcimoniosos com o nível de rentabilidade e o nível de perdas. Parte da jornada nesses últimos dois anos foi exatamente tentar estruturar o motor de crédito da companhia da forma correta. Tivemos que partir quase do zero.
Trouxemos novas pessoas para dentro da companhia, recapacitamos parte do time e achamos o que seria o nível de apetite de risco e velocidade de crescimento da estratégia de crédito dentro desse conceito de bundle. Estabelecemos uma meta de uma carteira no fim do ano de R$ 800 milhões e aproximadamente R$ 5,5 bilhões em 2027.
E conseguimos uma estrutura de pagamento simplificada a partir de uma retenção de uma parcial automática das vendas com redução da taxa de juros, feito diariamente, baseado na renda que ele tem.
Com isso, casamos a proposta de valor de adquirência com crédito. O abatimento é feito diariamente, numa prática que normalmente é mensal. Aquele cliente vai se adequando, o saldo devedor se adequa com a agenda dele. Se ele vende mais um dia, você consegue adequar.
E há espaço para crescer nessa vertical perder mão da rentabilidade e da inadimplência?
A minha grande preocupação em acelerar o tamanho da carteira primeiro estava relacionada às competências e ter certeza de que estava com as alavancas corretas no lugar. Tinha também um pouco do ambiente macro. O crédito está diretamente relacionado ao macro. Se você entra errado, pode ser muito complicado.
E não tínhamos a chance de fazer errado. Como a gente errou no passado, só temos uma chance de fazer correto, por isso decidimos ser conservadores.
A ansiedade do mercado em geral é: por que não acelera numa velocidade mais rápida? Vamos continuar sendo parcimoniosos, mas, isto posto, essa é uma grande vertente de crescimento da companhia.
Dentro do segmento de clientes em que atuamos, de R$ 5 mil por mês e até R$ 2,5 milhões, existe uma necessidade por parte do cliente de um crédito que é quase inexistente, porque os bancos não atuam tanto ali.
E vocês estão vendo outras modalidades de crédito para entrar? Esses R$ 5,5 bilhões em 2027 são só de capital de giro?
Esses R$ 5,5 bilhões são essencialmente capital de giro. Estamos começando a modalidade de cartão de crédito. O que estamos desenvolvendo, na verdade, é quase que um conceito de wallet. Damos o limite para o cliente e é como se ele tivesse diferentes produtos na prateleira.
A grande preocupação é fazer um produto que atenda a ele. Não adianta nada eu ter um produto que faz parte da prateleira, mas que ele não usa. Aqui é sempre tentando trabalhar de trás para frente, baseado na necessidade do cliente.
E qual a postura de vocês em relação à oferta de software? Na aquisição da Linx, a integração e as sinergias estão demorando para aparecer. Faz sentido ficar com a Linx? Colocá-la à venda é uma possibilidade?
No momento, o ativo não está à venda. A aquisição foi feita em junho de 2021 e, sobre esse momento, vou falar como outsider: existia uma oportunidade, em termos de complementaridade, de expansão do produto de serviço financeiro dentro da base da Linx.
Mas a transação acabou fechando numa tempestade perfeita. Era uma companhia de uma complexidade razoavelmente grande, num negócio no qual a Stone não tinha um conhecimento específico alto. A aquisição veio junto com o problema no crédito e o início da escalada de juros. E acho que a decisão correta na data foi não fazer nada em relação a Linx.
Era uma empresa independente e até muito recentemente ela foi gerida de forma independente. Era quase um conceito de uma holding com subholdings, porque debaixo da Linx você tem 12 verticais de negócios, cada uma das 12 verticais tem empresas embaixo. Se você juntasse isso aqui, assim, o bolo podia desandar.
Grande parte do questionamento vem da falta de integração. E o questionamento é legítimo, porque não teve uma integração mesmo.
Nos posicionamos recentemente no Investor Day [em novembro do ano passado] em relação à estratégia de software, tentando priorizar as verticais onde a gente conseguia ver valor econômico a ser gerado: varejo, farma, alimentos e postos de gasolina. Há uma sobreposição de TPV nessas categorias da ordem de R$ 25 bi.
De lá para cá, o playbook tem sido definir quais os produtos para cada uma dessas verticais. Como eu maximizo o efeito de cross-sell, otimizando uma estrutura de canais entre as duas companhias.
E para as outras oito verticais?
Para elas, o objetivo é maximizar o fluxo de caixa livre e, como a Stone hoje consolida o ativo todo, trazemos esse fluxo de caixa para a companhia. Assim como fizemos orçamento base zero aqui, ali tinha muita camada, não era otimizado, tinha muito mato alto para atacar e acho que a gente vem atacando.
Fato é que, em linhas gerais, a complexidade do negócio é maior do que a gente achava. A integração dessas outras oito verticais é um negócio mais complexo do que a gente achava que era.
É um modelo de negócio muito diferente do nosso. A Linx é um negócio relativamente estável, com margens boas. Mas ele necessita de uma dinâmica de crescimento inorgânico relativamente alta. Naquele sentido de que tem uma saturação já, tem um ponto onde pode chegar. Vão entrando novos softwares no mercado, a sua forma de keep up é fazer essa aquisição desses novos softwares.
Em relação a M&As, um negócio que muita gente fala é a possibilidade de união da Stone com o PagBank, pela complementaridade, além do fato de serem duas empresas com valor de mercado parecido. Já houve conversas nesse sentido?
A gente sempre vai avaliar bons negócios que sejam acretive [gerem valor para a companhia]. Mas hoje isso é muito mais rumor de mercado, do que qualquer coisa que realmente esteja acontecendo.
Você chegou há pouco mais de um ano e meio como CEO, vindo de uma indústria completamente diferente, e num momento de virada da companhia, de uma cultura mais de startup para uma empresa mais ‘madura’, digamos ssim. Qual foi seu primeiro diagnóstico?
Desde que eu estava no conselho, percebei que o maior diferencial da Stone é a qualidade do capital humano. A companhia tem uma mentalidade empreendedora muito grande, com um capital humano excepcional.
Mas, se você botar muita gente inteligente dentro do mesmo lugar ao mesmo tempo, elas vão se atropelar. Todo mundo vai querer fazer alguma coisa e, se não tiver coordenação, gera uma entropia dentro do sistema que acaba virando caos e você pode se perder. Você acaba fazendo muita coisa ao mesmo tempo.
Quando eu entrei na companhia, fizemos um mapeamento inicial e tínhamos 140 iniciativas em paralelo correndo na companhia.
A mudança demandava foco. O plano, que divulgamos no Investor Day, teve dois grandes objetivos. Um foi o foco na redução do número de iniciativas e implementação de mecanismos de gestão.
Outra parte do desafio estava muito centrada em estabelecer um objetivo comum de longo prazo. Com aquele problema do crédito, houve um problema de credibilidade que precisou ser resolvido.
Por isso, a companhia estava muito centrada nos resultados trimestrais e em entregar aquilo com que ela estava se comprometendo para o teste de credibilidade junto aos stakeholders como um todo. Isso foi feito de uma forma magnífica.
Mas ficamos obcecados pelo curto prazo. Eu precisava movimentar a companhia para o longo. Grande parte do motivo para nós divulgarmos aquele guidance de 2027era conseguir mobilizar a turma internamente com as mesmas métricas.
Porque se não fosse para fora, eu não podia fazer para dentro. Eu precisava que cada um visse aonde ia e de que forma ia atuar no plano para chegar lá.
Mas o mercado parece não ter comprado esse guidance de crescimento…
Hoje o mercado não paga pelo KPI de longo prazo, não paga por esse crescimento que eu coloquei ali. Acho que paga no máximo um ano e olhe lá. Com o tempo você ganha credibilidade e consegue mostrar que o plano é executável. Precisa ter foco, disciplina de execução.
Falando em termos de governança, o André Street saiu do conselho no começo do ano, pegando parte do mercado de surpresa. Como você interpreta essa saída? O que mudou?
Um dos pontos levantados pelo mercado foi: “pô, a gente levou um susto”. Eu não levei um susto, pela maneira que o processo foi conduzido. O André iniciou esse processo de transição lá atrás, com a recomposição do board – e acho que foi, de certa forma, um passo planejado e meio que natural da evolução da própria companhia.
Ele podia ter dado o disclosure lá atrás, que ia iniciar um processo, fazer um phase-out. Mas a decisão foi fazer de uma forma diferente, estruturada, para dentro da companhia. E não é que o André sai da companhia. Ele sai de uma posição de conselho, mas ele continua como acionista de referência, com 37% dos papéis com direito a voto.
A ideia central é manter o sentimento de dono, que é muito preservado dentro da companhia. As pessoas falam de corporation, mas, assim, eu prefiro pensar que é uma companhia feita de donos legitimamente.
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